Por Gustavo Marins
“Em relação ao Fluminense, com o tempo, fico cada vez mais suscetível na emoção, mas acho que tal evidência se estende a todos que amam verdadeiramente o Clube. Domingo passado, repentinamente, fui invadido pela nostalgia, talvez pela falta do futebol ou em decorrência das notícias pouco animadoras vindas das Laranjeiras. Então resolvi abrir o baú e assistir algumas das grandes conquistas da década de 1980, de grandes momentos da torcida do Fluminense no velho e inesquecível Maracanã, aquele que já foi o maior do Mundo.
Ao rever o estádio lotado, com a torcida mais vibrante e colorida do planeta, vi surgir uma figura alucinada de amor ao Fluminense e com ela toda a lembrança de uma época gloriosa. Confesso que não pude conter a emoção daquele tempo que passou como um raio em minha mente. Lembrei dos grandes jogos do Fluminense nas tardes de domingo e a grande expectativa era o show que a torcida Tricolor sempre proporcionava na entrada do time em campo. A distribuição do pó de arroz, o desespero que o saudoso e querido “Careca”, como era conhecido na torcida, levava àqueles que não queriam tomar o “banho de talco” e que eram obviamente as suas vítimas preferidas. Mesmo com a torcida compacta na arquibancada, por onde ele passava vislumbrava-se logo um claro, todavia, ninguém se aborrecia com o carismático e implacável torcedor símbolo, “o homem do talco”, aliás, produto sempre muito cheiroso e de boa qualidade, contrastando com o que a torcida distribuía.
A ansiedade do jogo era amenizada pelo visual inigualável e por estes momentos hilariantes e felizes que ele proporcionava. Quando o time do Fluminense despontava no túnel, o estádio ficava branco depois daquela guerra de saquinhos de talco atirados para todos os lados. Surgia então um mar de bandeiras tricolores que, agitadas freneticamente, dissipava a nuvem branca e fazia daquele momento uma catarse de emoção para todos os apaixonados torcedores.
O jogo começava e o personagem e o símbolo inequívoco da torcida Tricolor por muitos anos, ficava indócil a correr, de um lado a outro, junto a grade da arquibancada. Ao término das partidas o incansável guerreiro descia a grande rampa completamente transformado e, sem qualquer vestígio do talco, sumia na multidão. Curioso era vê-lo sério e sem a bandeira tricolor amarrada ao pescoço como um super-herói e sem estar todo branco de talco.
Depois de anos fora dos estádios, sofrendo de grave problema de saúde, encontrei o Careca no Fluminense, radiante de felicidade por estar participando da homenagem que o Clube fazia ao saudoso “fio da esperança” o grande Tricolor Telê Santana. Na oportunidade, conversei com ele e constatei o seu estado precário de saúde. Já não podia mais usar o talco, sua marca registrada, ou seja, pagou um alto preço pela alegria que o transformava no estádio, traduzida pelo seu imenso amor ao Fluminense.
Poucos meses depois ele faleceu e deixou o seu legado de ter proporcionado a todos que frequentavam os estádios, sobretudo o Maracanã, a sua grande representatividade junto a torcida. Para os mais jovens torcedores do Fluminense, que não viveram período tão especial, posso dizer que ele soube dignificar o pavilhão Tricolor.
Os tempos mudaram, o Maracanã não é mais o mesmo, a torcida também não, as bandeiras são raras, o espetáculo ficou mais pobre e restrito as esporádicas festas que as torcidas organizadas ainda protagonizam, mas de modo mais profissional. Em suma: deixou de ser tudo para o Fluminense e nada do Fluminense.
Resta conviver com os falsos ícones e os tresloucados que se transformaram em símbolos da torcida, que nem em pálida lembrança se assemelham aos grandes representantes que nunca ostentaram tal denominação, mas que eram reconhecidos e respeitados por todos os torcedores.
Ao contrário do Careca, só envergonham a torcida do Fluminense com suas aparições patéticas e que em nada representam o Clube e que só tem o sentido de promoção pessoal. Não consigo entender ou imaginar que alguém em sã consciência possa achar graça nos arremedos de palhaço ou chamar tais figuras de torcedores símbolos.
Quanta nostalgia! Obrigado Careca, o homem do talco, pela sua alegria nos estádios e sobriedade fora deles, como um verdadeiro Tricolor deve ser. Você sim é merecedor e deveria estar com maior destaque na galeria de grandes personagens da torcida do Fluminense. Obrigado Careca, pelos momentos felizes que passei no Maracanã nas tardes de domingo. É a minha singela homenagem ao homem do talco.
Gustavo Marins”
Esse texto foi publicado na década de 2.000 e seu resgate nos revela, ainda mais, o tamanho e a importância na história do Fluminense, de Guilhermino Santos, o único e inimitável Careca, o nosso Homem do Talco.
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